A autobiografia conta a história do escritor, ilustrador e artista William Starke, passando pelo envolvimento com as drogas, tráfico, a prisão e a ressocialização por meio do trabalho com livros
“Você é dono da sua mudança e nenhuma é impossível”. A história de William Starke é um exemplo de mudança e de ressocialização. Na noite de quarta-feira (22), o Conselho da Comunidade da Comarca de Ponta Grossa, Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Departamento de Polícia Penal Coordenação Regional Ponta Grossa (Deppen) e Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa (ACIPG) se reuniram para lançar a edição impressa do livro “Magnata”, publicado pela Editora Texto e Contexto.
A autobiografia conta a história do escritor, ilustrador e artista William Starke, passando pelo envolvimento com as drogas, tráfico, a prisão e a ressocialização por meio do trabalho com livros. Dos tempos em que comandava uma rede de tráfico, veio o nome pelo qual era conhecido: Magnata.
“William Starke. Esse é meu nome. Minha história foi conhecida e, depois de longos anos, transformada”. O desabafo do autor, um mês antes de falecer em decorrência da Covid-19, foi enviado à Editora responsável pela edição e publicação da obra. “Reconheci, planejei, sofri e consegui. Sozinho? Não! A todos que me deram oportunidade, deixo meu abraço e um agradecimento do fundo do meu coração”.
“Uma história de luta e de uma vida intensa. Os caminhos percorridos despontam para várias avenidas da vida. As dificuldades superadas. Um recomeço”, resume o prefácio do Juiz Federal Antônio César Bochenek, professor do curso de Direito da UEPG. Com o carisma e leveza que eram característica da sua personalidade, William relata, em primeira pessoa, a trajetória com o crime e com os livros. O ex-presidiário teve oportunidades de ressocialização dentro e fora da Penitenciária Estadual de Ponta Grossa, primeiro com a restauração de livros na oficina instalada na unidade, e depois no regime semiaberto, com o trabalho na Biblioteca e no Museu Campos Gerais, da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
“Os livros mudaram minha vida. Chegou um dia em que entrei na cela e percebi que não me encaixava mais naquele ambiente. Minha cabeça era outra”, contou, em entrevista em agosto de 2019, quando ainda cumpria pena por tráfico de drogas (foram quase dez anos de reclusão, antes da liberdade, no início de 2020). Já na época, ele planejava escrever um livro e contar sua trajetória de vida. Mas veio a pandemia de Covid-19, e o lançamento da obra precisou ser adiado.
Em 2021, o livro foi lançado em formato de e-book, com acesso gratuito. Teve mais de 5000 acessos. Agora, a obra ganha uma edição impressa, com tiragem inicial de 600 exemplares. “Estamos aqui para lançar um sonho. O William sonhou com isso aqui e estamos concretizando”, resumiu Ermar Toniolo, presidente do Conselho da Comunidade Comarca de Ponta Grossa, entidade que capitaneou a impressão do livro.
O amigo e responsável pelo projeto de ressocialização de presos na Universidade em parceria com o Departamento Penitenciário, Rauli Gross Junior, chefe de gabinete da UEPG, foi um dos articuladores para a publicação de “Magnata”. “O grande sonho dele era de que a história fosse passada para frente. Mesmo quando estava dentro da Penitenciária, ele nunca se recusou a dar uma entrevista, a contar sua história”, lembra. “Queremos fazer com que histórias como essa se repitam. O melhor investimento que se pode fazer é no ser humano – mesmo aqueles que erraram”.
A distribuição do livro é gratuita e o objetivo é que fique disponível nas unidades penais, universidades e outros setores formadores de opinião. “A transformação do William só faz sentido no momento em que promove outras transformações”, enfatiza o reitor da UEPG, professor Miguel Sanches Neto. “Que esse livro, ao chegar nos diversos locais para onde será enviado, seja um elemento transformador”.
Foi na sala de Maurício Ferracini dos Santos, atual diretor adjunto do Departamento de Polícia Penal do Paraná e então vice-diretor da Penitenciária Estadual de Ponta Grossa, que William entrou, em 2013, para pedir uma oportunidade. Era a segunda passagem dele pelo sistema prisional, e ele entrava como um preso de alta periculosidade, segundo Ferracini. No livro, William conta que jamais esqueceu das palavras que ouviu naquele dia: “Se você quiser mudar de vida, nós te ajudaremos. Mas se você não se ajudar, você está perdendo tempo”.
“Vi minha filhinha pessoalmente, pela primeira vez, dentro da cadeia. Era bem pequenininha, recém-nascida. Nunca mais esqueci desse dia”, contou Starke, em trecho do livro. “Eu ficava imaginando como ela seria quando crescesse e o que eu iria falar para ela sobre minha vida”. Emily cresceu e estava orgulhosa e com saudades, no lançamento do livro do pai. A família acompanhou emocionada o lançamento da edição impressa do livro que conta a história da vida de William, seu legado.
A mãe, Rosana, conta que sente muito orgulho do filho. “Mais orgulho ainda, porque ele deu a volta por cima”. Antes de falecer, quando William ganhou a liberdade provisória e voltou a morar com a família, a mãe se sentia vivendo um sonho. “Eu pensava: sou a pessoa mais feliz do mundo, porque meu filho está transformado e se livrou do vício”, rememora. Todas as manhãs, quando ele saía para trabalhar, ela ficava na janela e refletia sobre a sorte de ter de volta o filho querido. Hoje, nas suas orações ela pede por todos os apenados. “Eu acredito que quem está preso tem a oportunidade de melhorar e eu faço minhas orações todos os dias por eles”.
Convênio
Durante o evento, foi assinado ainda um convênio entre o Conselho da Comunidade Comarca de Ponta Grossa e a Universidade Estadual de Ponta Grossa, por meio do projeto de extensão Núcleo de atendimento às pessoas com monitoração eletrônica e a Vara de Execução Penal (Nupem). A parceria deve permitir ainda mais oportunidades de ressocialização para outras pessoas em situações similares às de William Starke.
“São projetos como esse que nos orgulham em participar, como Universidade”, garante o reitor. Hoje, 26 apenados trabalham na UEPG em busca de remição de pena. “Toda instituição, em qualquer nível, qualquer empresa, pode e deve receber esses apenados para que eles possam conviver de forma digna dentro da nossa sociedade”.
Da Assessoria
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