Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Giovanni Rossi"
Palmeira é uma cidade do interior, pacata e acolhedora, que esconde muitas histórias curiosas e engraçadas.
Amanda era uma juíza do trabalho recém-chegada, cujos dias começavam muito cedo e o trabalho se estendia até muito tarde.
Em uma segunda-feira, ela olhou para o relógio e suspirou. Era seu aniversário de casamento e seu marido havia ignorado o fato. Não era a primeira vez, mas desta feita ela ficou realmente furiosa.
O relógio bateu oito horas e o meirinho começou a apregoar as partes:
- Giovanni Rossi! Giovanni Rossi! gritava pelos corredores do fórum. Na vigésima chamada ouviu-se um grito histérico oriundo da sala de audiência:
- Pode parar de chamar porque esse aí já morreu!
Amanda se descontrolou, indagando o advogado sobre o que estaria pensando ao colocar o nome de um falecido como reclamante.
Desconcertado, ele disse que o estagiário que redigiu a peça processual inaugural provavelmente colocou o endereço da parte em substituição ao seu nome.
Enraivecida, Amanda arremessou uma CLT em direção à cabeça do advogado, perguntando se ele pretendia transformar o fórum trabalhista numa anarquia.
- Não, Excelência. Aliás, a senhora é quem está faltando com o dever de urbanidade. E a propósito, mencionou, o falecido Giovanni Rossi coincidentemente foi quem transformou Palmeira em palco da única experiência anarquista na América Latina.
E continuou: tivesse implementado o anarquismo a senhora já teria perdido a função. Explicou ele que este pregava a abolição do Estado e a organização da sociedade de forma igualitária e autogerida pelos trabalhadores. Palmeira era terreno fértil, com seus imigrantes italianos e comunidades de trabalhadores que se sentiam explorados pelo sistema político vigente.
A juíza lamentou o ocorrido, desculpou-se e desmaiou. Foi levada às pressas ao hospital.
Era apenas ansiedade. E, ao acordar, ainda no hospital, foi surpreendida pelo marido que a presenteou com flores e com um livro.
A história do surto se espalhou. Sobrecarga de trabalho, insanidade mental ou o próprio marido podiam ser a causa.
Assim, Amanda percebeu a sua rotina sufocante. E os compromissos com os filhos geravam uma jornada dupla de trabalho.
Tudo foi minuciosamente colocado por ela a seu marido, que percebeu que precisava se dedicar mais à esposa, passando a fazer elogios sinceros e demonstrando mais carinho e atenção.
Contudo, cada vez que se aproxima o seu aniversário de casamento, os advogados trabalhistas ainda têm muito receio de adentrar o fórum.
Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais
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