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As Reformas

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "As Reformas"


Marco Polo foi até a Ásia do mundo atrás do ouro e da glória; José Marcos foi até a Ásia da cidade atrás das glórias de uma cesta básica.


Sem esquadrão nem caravela, entre José Marcos e a cesta básica interpunha-se a distância de setecentos e trinta e seis reais e noventa e cinco centavos em dezembro de 2021, segundo os índices empregados pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, que José Marcos nunca frequentou. Mas talvez achasse mais em conta, e por isso ia de mercado em mercado, de calculadora na mão ─ aqui o feijão mais barato, ali a farinha mais acessível, ─ e assim via fugir velozmente o magro orçamento familiar.


Um desses mercados anunciava eletrodomésticos, na televisão full HD a equipe econômica de uma holding expunha ao público a analogia sazonal: o orçamento público é como o doméstico, carece arrecadar mais do que gastar, e quando a coisa aperta, afia-se a lâmina para os cortes necessários.


Como o orçamento doméstico. José Marcos chefiava os três poderes de seu lar ─ um filho anêmico, o outro com um pé torto ─ porém jamais fora o relator de nenhuma Lei de Diretrizes Orçamentárias, não se lembrava de haver interferido na taxa Selic para modular as taxas dos juros bancários, os valores das emendas impositivas jamais passaram por suas mãos. Em nada disso pensou, já se afastara do aparelho e comparava os preços do fubá mimoso.


A tarde já ia avançada quando José Marcos, carregando sacolas que continham o sustento familiar, entrou no último estabelecimento, mas ao passar pela porta do Atacado foi colhido pela surpresa. Não via os corredores habituais, as prateleiras fornidas de gêneros alimentícios. Era uma sala de reunião com meia dúzia de homens e mulheres vestidos com bom gosto. ─ “Viemos aqui por você, José Marcos, ─ disse o mais velho ─ para te explicar as Reformas que faremos no Brasil para beneficiar a sua família.” ─ José Marcos achou que o confundiam, deu meia-volta e passou pela porta por onde entrara, mas deu no mesmo lugar, com as mesmas pessoas. ─ “Era só o que faltava, ─ pensou ele ─ vieram me acusar de alguma coisa, mas bandido eu não sou não, apesar de que chance não faltou, eu que não quis.”


─ “Fique tranquilo, ─ disse outro homem, mais jovem ─ só queremos que você entenda as Reformas.”


José Marcos nunca mais voltou para casa. Morreu e foi enterrado como indigente, disseram uns; fugiu com a amante, sussurraram os mais maliciosos. Todos estavam errados. Nem vivo, nem morto, José Marcos fora simplesmente tragado pela espiral inflacionária.


Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais

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