Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Quase Jorge"
O primogênito de meus avós paternos Luísa e Pedro já tinha seu nome escolhido desde que ela viu seu ventre crescendo pouco a pouco e percebeu que gerava um filho. Não havia aparelhos de ultrassom que detectassem o sexo dos bebês, em 1920. Contudo, ela sentia que seria um menino. As senhoras mais experientes pressagiavam que, pela forma que a barriga tomava, seria possível determinar o sexo do bebê. Faziam conjeturas usando fio e agulha virgens, balançando como um pêndulo sobre a palma da mão da gestante. Tudo levava a crer que seria um menino. Nasceria no Brasil, terra que a família escolheu quando emigrou da Rússia. Na Rua Bahia, Bairro Órfãs, uma espaçosa casa de madeira era sua morada. A janela do sótão alto, um mirante.
As previsões se fizeram realidade e um brasileirinho alemão-russo, forte e saudável, nasceu. Dali avistava os verdes Campos Gerais refletindo no verde dos seus olhos. A família de católicos fervorosos já pensou no batizado do pequeno para estar alinhada com as leis da igreja. Na pia batismal da Igreja São José recebeu o primeiro sacramento de um cristão. Era costume da época delegar ao padrinho a incumbência de fazer o registro civil do afilhado. Vó Luísa salientou o desejo de dar ao seu recém-nascido o nome de Jorge. Voltando do cartório, o padrinho tinha em mãos a certidão de nascimento daquele que viria a ser o meu pai. Para surpresa dela, o menino foi registrado com o nome de Adão, o mesmo nome do padrinho.
Meus avós engoliram o amargor da constatação com um copo de água açucarada, mas não o desaforo do compadre pela imperdoável atitude. Sempre chamaram-no de Adam dentro da família. Fora dela o nome da certidão foi sendo escrito nos boletins escolares da Escola Verde (hoje Colégio Santana), no serviço militar, nas atividades sociais e esportivas do Clube Palmeira, onde jogou futebol e compôs a diretoria por algum tempo, no registro de casamento, de nascimento dos filhos e na placa do seu comércio “Sapataria Adão”.
No triângulo formado pela confluência das ruas Rio de Janeiro e Henrique Degraf, atrás do Asilo São Vicente de Paulo, o endereço era conhecido por inúmeras pessoas que utilizavam seu trabalho na reforma de calçados. Não era Jorge, mas foi um cidadão ponta-grossense que honrou o nome que lhe foi dado à revelia. E o soldado Adão Buss honrou também a pátria como combatente na Segunda Guerra Mundial.
Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônica dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais
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