Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Origens"
Brasil, 500 anos, Ponta Grossa, 200 anos... Esquecemos os milhares de anos em que as trilhas – interação entre predadores e presas, ou que conduziam às fontes naturais de alimentos, como as florestas de araucárias – foram traçadas pela naturalidade das pisadas com pés descalços por entre florestas e cerrados, por questões de mera sobrevivência.
Entretanto, mitos e lendas indígenas, que não nasceram com o “descobrimento”, ainda pedem para integrar-se ao patrimônio folclórico, cultural, popular, das regiões de onde povos originais foram expulsos com violência e extrema crueldade, permanecendo, ainda hoje, amplamente “desconhecidos” da sociedade dominante. Falamos em Saci, Curupira, Boitatá, Iara; falamos em Gralha Azul, João-de-barro, e na Cidade de Pedra, mas não damos importância ao território, aos espíritos ancestrais, às grandes viagens míticas do povo Guarani; não sabemos da importância das “belas palavras” (mboraí poku), e da entonação a elas dada na comunicação com os ancestrais, dos quais os guaranis se entendem como descendentes sagrados. Não fazemos a mínima ideia do significado dos traços, nas pinturas do corpo do povo Kaingang, nem de sua organização social em duas metades míticas...
Temos localidades, rios, morros, batizados com expressões dessas e de outras nações originais, que deixaram essa herança linguística. Desconhecemos a beleza dos mitos cosmogônicos desses povos, desconhecemos sua peregrinação para escapar às perseguições que os exterminavam ou os caçavam para os escravizar; desconhecemos sua luta atual para manterem espaços territoriais minimamente suficientes para seu modo de vida, para transmissão de sua riqueza cultural, embora nossa Constituição tenha consolidado alguns desses direitos.
E que dizer das culturas africanas que foram esmagadas e sufocadas pelo regime da escravidão? Que, apesar de artigos constitucionais as protegerem de preconceitos, são constantemente atacadas, sob olhares complacentes da sociedade?
Comemoramos o Folclore, em agosto, e o Dia do Indígena, em abril – nós não temos uma festa com o porte de um Halloween, para transmitirmos essas culturas; as escolas fazem adereços, pintam os rostos das crianças, e as adornam com penas – não convidamos um Kuiã, um Karaí, um Babalorixá, para transmitirem suas culturas originais nas praças, escolas e parques. Que pena!
Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais
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