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  • Foto do escritorRedação

O fim de uma cápsula do tempo

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "O fim de uma cápsula do tempo"


Sempre fiquei encantada como a minha cidade, Ponta Grossa, consegue parecer tão 2022 e tão 1960, ao mesmo tempo. Basta dar uma passadinha na rua XV de Novembro, Augusto Ribas ou no Calçadão da Coronel Cláudio. Lá, você vai se deparar com placas de lojas em tons vibrantes e locutores anunciando promoções imperdíveis. Tudo isso, tapando uma fachada de arquitetura histórica. É até difícil reparar nos detalhes. Geralmente, acabo ficando mais interessada na promoção mesmo.


Há cerca de três anos, conheci uma cápsula do tempo nesta cidade. Uma cápsula perdida em uma das ruas citadas acima. Era uma casa que, em sua frente, parecia pequena. Mas carregava uma história que chegava a dar dor de cabeça, com tantas informações.


Mal entrava naquela sala, me deparava com um piano antigo, fotos em preto e branco e inúmeros quadros de palhaços tristes. Parece até assustador. E de fato era. Mas este canto não amedrontava tanto quanto como aquela história seria esquecida, em alguns dias.


Uma cristaleira e um móvel embutido com telefone marcavam outro canto da casa. O pé-direito era alto. Os amarelos e azuis desbotados nas paredes me levaram para outra dimensão.


E lá, naquela sala, havia duas pessoas. Um senhor com seus 90 e poucos anos, e uma senhora também dessa idade. Ele já estava bem mal de saúde. Ela, com Alzheimer. Mas isso não os impedia de contar muitas histórias. E até repetir algumas.


Não tinham filhos juntos. Apenas a senhora, que havia perdido os dois, frutos de outro casamento. A moça morreu de leucemia. O moço, de acidente de carro.


Na casa de trás, havia uma máquina de costura, fios, e uma estante cheia de pedrarias. Tudo parecia estar remexido, como se alguém estivesse ali há poucos minutos. Mas, descobri que aquele local não era utilizado há, pelo menos, 15 anos. Apenas limpado ao redor.


A máquina estava parada desde que a senhora adquiriu artrite. E, por consequência, também parou de pintar.


O que restava daquela história era apenas uma casa fria, quieta, com as vozes e passos de cuidadores de idosos e enfermeiros que andavam para lá e para cá.


Pouco tempo depois, o senhor morreu. A sua esposa não foi informada, por conta do Alzheimer. A dor de descobrir umas seis vezes por dia que seu marido havia falecido parecia ser forte demais.


Ela foi para o asilo e a casa se tornou mais uma loja. Uma daquelas que fora descrita no início deste texto.


E assim acaba essa história. Desculpe se esperava um belo final. Mas foi assim que terminou a vida daquele casal.


Texto de autoria de Daniely Neiverth, jornalista, Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais

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