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O cachorro do saneamento

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "O cachorro do saneamento"



É fato comprovado pela experiência de conhecidos que atuaram no ramo: embora seja próprio de cachorros de qualquer naturalidade atacar trabalhadores que passam a pé ou de bicicleta, os cães princesinos são especialmente ferozes e não perdoam os operários semoventes (no bom sentido).


Os casos contados nessa quadra são numerosos e as vítimas descrevem um caleidoscópio narrativo que varia entre a ira completa e as mal confessadas saudades. Segundo um amigo, daqueles tempos só lhe faz falta o excelente condicionamento físico que adquiriu fugindo das matilhas que campeavam os distritos de Ponta Grossa. Privado desse estímulo, resta-lhe agora o esboço do esboço de uma vida de atleta, praticando triatlo e correndo as maratonas que a Unimed promove na cidade.


Outro indivíduo que consultei a respeito lastima muito o canino desapreço, mas pondera que tragédia alguma surpreende o trabalhador bem precavido e conhecedor das mazelas que assolam seu ofício. Por isso, quando visitava o Centro, onde morava um animal que nutria por ele especial e injustificada predileção, punha a mesma e castigada calça, pois soubera que o bicho andara padecendo forte congestão após digerir alguns fiapos da peça numa investida anterior.


Agora (referência gratuita!), tal como bem demonstrou Machado de Assis em seu A Igreja do Diabo, no meio das desgraças mais fundas e quando a devassidão se torna generalizada, resplandece o Bem que não imagináramos brotando lá.


Contou-me um servidor da Sanepar. Nesta cidade tomada por animais contrários à CLT, apareceu pelos lados do Cristo Rei o Niki, labrador de forte têmpera republicana e cuja veia nacional-desenvolvimentista não tolerava ofensa aos funcionários da Companhia de Águas.


Mal via passar um leiturista para fazer as medições nos hidrômetros, o Niki saltava e ia escoltá-lo rua abaixo, rosnando contra as ameaças e exigindo urbanidade de seus pares. Nos primeiros dias, os cães da vizinhança não fizeram caso, mas as bordoadas pedagógicas do Niki puseram todos na linha. Dali a pouco não havia lugar melhor para pegar no batente, o espírito cívico de Niki impôs na região a pax Romana; com gente trabalhando o tratamento passou a ser de “bom dia”, “pois não” e “muito obrigado”.


Com a aposentadoria do velho labrador, o ideal seria arranjar uns oitenta dele e distribuí-los por pontos estratégicos da região. Mas onde se acham outros Nikis? Lide com essa, ó, Diretoria.


Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais

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