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Maria-fumaça do Guaragi

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Maria-fumaça do Guaragi"



O vapor das revoluções, o vapor das indústrias, é também o vapor que locomoveu e transportou as pessoas nos dois séculos passados. A termodinâmica envolvida trouxe, também, os imigrantes a essas terras quase esquecidas.


A Maria protagonizou histórias que não caberiam em mil livros. Em suas fumaças, deixava retornar à atmosfera a molécula essencial da vida. Mas não só! Também evaporavam os momentos ali dentro vividos. A magia do trem – vibração, imponente barulho, cheiro característico, espera, maquinista.


Para além da quase mágica experiência em trilhar um caminho, literalmente; as marcas das memórias de um sábado em 1965 permeiam as conexões neurais dos envolvidos. Guaragi, dos colonos alemães, poloneses e russos, também era Guaragi dos peixes.


Os dentes da locomotiva rastejavam rente aos trilhos, vorazmente aproximando-se dos Campos Gerais. Assim, os três filhos de imigrantes poloneses e um menino de sete anos partiram na Maria rumo a Guaragi. Carregavam a vara de pescar e um lanche modesto.

Dia findo, os peixes esquivaram-se todos. Como diria a música do Tremendão, também de 1965, “não quiseram cooperar”.


Na volta da Maria, os três irmãos jogaram-se no vagão. A locomotiva aumentava a velocidade, as rodas giravam cada vez mais rapidamente. A fumaça era cada vez mais exalada e riam os três sentados no vagão. Mas algo faltava.


O menino. Correndo contra os últimos raios solares na beira dos trilhos. Seu pai mordia um pedaço de palha e olhava o céu, dentro do vagão. Quando superando os altos sons do trem, um grito de seu irmão o retirou da meditação contemplativa.


“Olha lá o Carlinhos!”, gritou um dos tios. O menino corria de cabelos esvoaçantes, como se sua vida dependesse das suas pernas largas e finas.


“Carlinhooooooos”.


E as mãos em atos desesperados, desses gestos que as chacoalham em detrimento da angústia, buscavam alcançar o leve e raquítico menino. Antes de um obstáculo impedir que alcançassem o menino, agarraram-no.


Após alguns instantes, evaporado o suor, recobrado o fôlego e em tom de calmaria, o pai sussurra ao menino em tom ameaçador: “Não conte NUNCA para a sua mãe!”.


Feito vapor, o segredo esvaiu-se pela atmosfera.


Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante, Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais



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