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  • Foto do escritorRedação

Crônica do desaparecido

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Crônica do desaparecido"



Andando pela cidade, percebemos que tudo está desaparecendo. Quando a gente passa por uma rua e procura alguma coisa de que se lembra, espanta-se por não conseguir achar qualquer vestígio. Desde a casa paranista com lambrequins até os mercadinhos tocados por rostos familiares.


Não se acha mais o antigo palacete do bispo, não existem mais as pastilhas de vidro da fachada do Cine Ópera, o Império virou cratera, a fonte luminosa sumiu da praça, de onde também sumiu o busto da Judith. O Bianchi virou estacionamento. Aquela rádio com programas de auditório sumiu da XV. Na esquina da Eng. Schamber, o som dos programas vespertinos parece ecoar, mas só o vento continua soprando inclemente. E assim vai, a cidade se transformando e se modificando. Sumiram as personagens “sui generis” das ruas centrais, tais como aquela velhinha que esmolava na esquina do antigo correio (que também sumiu) e contavam viver à larga com proventos de várias casas de aluguel. Sumiu o barulho de reco-reco que os sorveteiros faziam nas tardes modorrentas do verão princesino. Sumiu o box da Dona Maria no demolido Mercadão, onde se vendiam frutas e verduras trazidas das chácaras de Uvaranas acompanhadas de notícias e fofocas contadas de parentes que não se davam. Foi-se Dona Olívia que comandava um exército de mulheres que limpavam túmulos no São José. Foi-se a Galeria de Artes da Profa. Carol, onde se trocava uma crítica de arte entre dois dedos de prosa com a proprietária. As irmãs Paczkowski não ensinam mais arte e profissão. Até as vitrines de doces e chocolates da antiga Glória, com ovos Sönksen na época de Páscoa, sumiu. Assim a cidade vai crescendo e engolindo a própria identidade, temperada com casas modernistas. Foram-se há muito a Branca de Neve com os anões da Brinquedolândia, a quarta feira de cardápio alemão na lanchonete do Tuma, o lanche no Vagão em frente da Universidade...


E nem lembrei da chorada Catedral...


Mas a verdade é flagrante na percepção de que a princesa é cada vez menos princesa e mais, muito mais, parecida com qualquer cidade moderna. Placas sucessivas de vende ou aluga, intercaladas de terrenos baldios transformados em estacionamento ou ocupados por farmácias. Muitas farmácias...


De longe, a cidade é bela, ornamentada por edifícios cada vez mais altos. Mas olhando bem de perto, entre calçadas nem sempre cuidadas e trânsito cada vez mais caótico, guarda um quê de nostalgia mal resolvida.


Texto de autoria de Carlos Mendes Fontes Neto, engenheiro civil, Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais


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