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Foto do escritorRedação

Batismo no Olho D’água São João Maria une fé e tradição popular

A lenda conta a história do monge São João Maria que peregrinava pela região


O batismo de crianças no Olho D’água São João Maria, localizado na Vila Ana Rita, no bairro de Uvaranas, faz parte da tradição religiosa para muitos católicos de Ponta Grossa. A prática ocorre desde a segunda metade do século 19 e mistura fé e lendas urbanas a respeito dos monges que peregrinavam pelos Campos Gerais. Sim, monges, no plural. João Maria é o nome pelo qual ficaram conhecidos três monges que passaram pela região sul, mas a cultura popular uniu-os em um de tal forma que muitas vezes é difícil separar seus feitos e suas vidas. São João Maria é considerado o monge dos excluídos e sua história é cercada de misticismo e crítica social. A ele são atribuídos diversos milagres e também o poder de cura.

A lenda conta que, em uma das suas peregrinações, São João Maria chegou até Ponta Grossa para pregar suas palavras de fé. Certo dia, ele teria sido atormentado por crianças e as mães, que estavam por perto, saíram em defesa dos seus filhos. O monge, furioso, amaldiçoou os moradores e pregou que um forte vento destruiria suas casas. Logo depois, uma grande tormenta de vento, pedras e chuva castigou a cidade. A única pessoa que não atingida foi o monge, que estava sentado debaixo de uma árvore, onde hoje é o Olho d’Água São João Maria. Depois que ele desapareceu, uma nascente surgiu no local e não demorou para que água fosse considerada milagrosa. Até hoje os devotos vão até lá para batizar crianças ou em busca de bênçãos.

Evidências históricas e mito popular

A imagem do monge São João Maria, austero, profetizando, benzendo e curando as pessoas com ervas, se espalhou pelo interior do Paraná e Santa Catarina. Sua figura une algumas evidências históricas e muito de mitologia popular, mas teve um apelo popular tão forte que se mistura ao modo de vida e valores da população rural do sul do país. Quando o monge começou a fazer duras críticas ao governo, fomentou a insatisfação política e agregou frustrações da população que foram canalizadas na Guerra do Contestado, conflito armado que aconteceu entre 1912 e 1916 na região.

Diversos espaços de religiosidade, como grutas e fontes, foram associados a São João Maria em muitas cidades paranaenses. “Embora não tenhamos nenhum registro histórico da passagem de um dos monges na cidade de Ponta Grossa, ele foi associado a uma nascente na cultura popular. O uso da água de nascentes, de ervas e benzimentos era uma prática comum nesta época nos Campos Gerais”, conta o professor do departamento de história da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Edson João Carlos. “As nascentes são elementos que integram a religiosidade popular. A água de nascente, numa época em que você não tinha um serviço de abastecimento e de saneamento, era condição essencial à vida humana. Assim a nascente se torna também um espaço simbólico e religioso”, acrescenta.


Devotos atribuem milagres ao monge

Em Ponta Grossa, São João Maria é considerada uma figura milagrosa desde o início do século 20 e seus feitos são repassados de geração em geração no imaginário popular. “As histórias se propagam de boca em boca, muitas vezes aumentadas, e sempre contadas como se o ocorrido estivesse bastante próximo temporal e espacialmente. Milagres, profecias, grutas e nascentes fazem parte da estrutura de crenças do catolicismo popular no sul do Brasil”, explica Edson.

O misticismo em torno de São João Maria ainda é presente entre os católicos atualmente. Os devotos da Igreja Católica ainda levam seus filhos recém-nascidos para batizar com a água da nascente atribuída a ele, considerada sagrada. Outros levam a água para casa, a fim de usar para benzimentos, massagens e até mesmo tomar acreditando nos milagres que ela oferece. Ao redor do local do Olho D’Água é possível encontrar objetos deixados pelos devotos, como artigos religiosos, fotos, quadros com a imagem de Jesus ou do Monge, estátuas de santos, terços, bíblias e até mesmo boletos bancários e Carteira Nacional de Habilitação (CNH), com o intuito de agradecer ou alcançar alguma benção.

De geração para geração

A professora Marisa Carneiro da Silva foi batizada no Olho d’Água e seguiu a tradição dos seus pais batizando sua filha, porém, ao longo dos anos notou que a prática não era importante. “Se fosse hoje, eu não batizaria no Olho d’Água, porque como católica eu sei que o único batismo verdadeiro é na igreja. O batizado na igreja é quando nos tornamos filhos de Deus, então é algo muito importante”, afirma.

Ele conta que o costume de batizar bebês recém-nascidos em nascentes começou com as pessoas que moravam na zona rural. Como os padres demoravam para aparecer nas vilas e as missas eram realizadas apenas uma vez no mês, quando o sacerdote ia nos locais eram realizados os batismos comunitários. “Porém, quando não tinha padre ou quando nascia uma criança, os pais batizavam em casa. Assim nasceu a tradição de batizar em casa, no olho d’água, na fogueira”, explica.


A assistente administrativa Niceia Ribeiro também segue os princípios da igreja católica, mas não foi batizada no Olho d’Água e também não batizou seus filhos por não acreditar na importância do ritual. “Eu pessoalmente creio no ritual realizado na casa de Deus pelo sacerdote. O batismo no Olho d’Água para mim é insignificante”, aponta. “Minhas filhas foram batizadas, mas não na nascente, elas foram batizadas por crer que o batismo é o sinal de pertença à igreja, declarar publicamente a nossa fé em Jesus”, declara.


Igreja Católica não recomenda a tradição

O rito de batizar seus filhos no Olho d’água São João Maria faz parte do cotidiano para muitos católicos ponta-grossense, porém, a igreja não recomenda a tradição. O coordenador diocesano da Ação Evangelizadora, Padre Joel Nalepa, comenta que o único batismo válido é o que ocorre na igreja. “O batismo celebrado como sacramento é feito na igreja com a liturgia batismal e com o que se entende desse sacramento de iniciação à vida cristã”, afirma.


Por Larissa Godoi do Portal comVc

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