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Palavras em fuga

Foto do escritor: Redação Redação

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Palavras em fuga"

Com um ano de idade, ou pouco mais, as crianças começam a balbuciar as primeiras palavras. É o início da fala, da comunicação oral que as levará ao domínio da linguagem materna. Expectativa dos pais para saber o que elas falarão antes: mamãe ou papai. É característica das meninas falar muito mais do que os meninos, é científico. Às vezes são chamadas pejorativamente de gralhas ou metralhadoras. Segundo meus pais, eu fui precoce na oralidade. Era tagarela e as palavras brincavam comigo de lenço atrás, bom barqueiro e cantigas de roda no quintal da nossa casa, na Rua Júlia Lopes. Jorravam tanto verbalmente quanto na escrita, tinha facilidade nas redações escolares. E como eu falei! E como eu escrevi! Anos e anos falando e escrevendo, num casamento perfeito entre mim e as palavras.


O tempo foi passando, vivi três quartos de um século e nunca esperei a vileza de uma traição delas, minhas companheiras de toda a vida. Não é justo o que estão fazendo comigo! Dei a elas uma mente saudável, limpa, sem nenhum morador que fosse mordaz, maldoso, pretensioso ou satírico. Ali poderiam morar eternamente, contudo, estão me abandonando sem piedade. A cada dia que passa é mais uma ou duas que fogem da minha mente. Procuro-as por horas, às vezes dias e demoro a encontrá-las. Já aconteceu de jamais saber o paradeiro de algumas. Sempre foram importantes para mim. Por que essa debandada? Para onde estão indo?


Nos momentos em que mais anseio por uma delas, vejo-a correndo pela rua, e no caminho carregando sua irmã gêmea, com a qual eu poderia contar no caso de uma desaparecer, mas a irmã, cujo nome é Sinônimo, também foge. Na fuga vão arrebanhando mais e mais, e eu ficando com a mente esvaziada, num espaço onde há lugar para milhões delas viverem em paz, em harmonia e em bom convívio. Quando alcançam a rua e encontram outras desgarradas, eu perco uma frase inteira! Isto não é justo!


Será que estão cansadas de morar neste lugar? Será que preferem viver em mentes mais jovens que a minha? Pensei colocar cartazes na rua da fuga, mas o que escrever neles, somente com as palavras remanescentes, as mais fiéis?


Consegui escrever e colei na esquina: “Procuro palavras desaparecidas há algum tempo, que me fazem muita falta. Quem as encontrar favor encaminhá-las de volta à minha mente. Preciso delas para preencher o espaço, impedir lacunas na fala e, principalmente, para evitar o ruidoso eco do vazio.”


Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa.



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