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  • Foto do escritorRedação

Jogo do Operário

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Jogo do Operário!"


Lá na casa do Seu Augusto, o rádio está ligado. É dia de jogo. Apesar disso, ele conserva em si um semblante soturno. Bom mesmo era o seu antigo rádio, pensava ele. Ele ainda se lembra dos dias dourados em que podia ouvir o som ecoando do antigo aparelho de madeira num estilo retrô, mas os filhos insistiram em presenteá-lo com um novo, mais moderno. Bobos! Não entendem nada!


Dia normal para uns, dia de alegria para outros. Cada qual à sua maneira vai se preparando. Lá na casa da Dona Lourdes, os santos estão de ponta-cabeça. Em sua fé e sabedoria, ela garante que o mesmo que funciona para matrimônios também funcionou para garantir a tão esperada vitória em jogos de anos anteriores. Na torcida do estádio, outro torcedor registra o momento em imagem, garantindo a foto da sorte! Mas bom mesmo é ver a preparação para o jogo lá na casa do Seu Augusto!


Em dia de jogo do Operário Ferroviário, a rotina é sagrada. Após o banho matinal, ele penteia com cuidado os cabelos em frente ao espelho, depois apara os pelos do bigode, olha os dentes e confere o cabelo uma última vez. Ao se vestir, prefere sempre a camisa branca e, por isso, faz questão de deixá-la pronta no dia anterior. Em seguida, prepara o café, coloca o pequeno rádio preto na bancada da cozinha, senta e aguarda, enquanto aprecia silenciosamente o café amargo e quente.


Os filhos sempre reclamam da ritualística exagerada, mas quem é que pode mudar os costumes tão arraigados de Augusto?!


O jogo começa, ele senta no banquinho de madeira, aproxima o rádio dos ouvidos, não quer perder nada. A ansiedade traz suor às mãos, que ele esfrega frequentemente na calça. Tira do bolso da camisa um lenço branco, limpa o suor da testa e dos bigodes, guarda. Logo os gritos anunciam o gol tão esperado e Seu Augusto vibra, emocionado. Os netos contemplam extasiados a agitação e felicidade do avô, os filhos se preocupam com o coração, afinal, ele já tem oitenta e sete anos. Outro gol. Seu Augusto sorri, olha para a família, volta a sorrir, ergue os braços e aponta para cima, abaixa a cabeça e fecha os olhos, depois junta as mãos sobre o peito, traz a mão direita aos lábios, beija-a. Um acesso de tosse interrompe sua comemoração, a família se preocupa, olhando com apreensão num olhar de advertência, ele sorri em resposta, até que um dos netos lhe diz:


- Vô, cuidado com o coração! Senão vai morrer de felicidade! E se o vô morrer?


- Ah, fio, se o vô morrer, espero que tenha rádio lá no céu pro vô escutar o jogo do Operário!


Texto de autoria de Francielly da Rosa, graduada em Letras Português/Inglês e mestranda em Estudos da Linguagem pela UEPG, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais

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