Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Privatizações"
Seu Joaquim estava em casa, era sexta-feira e sua filha Aline e o namorado dela, Jonatan, vieram para o café da tarde. Não é segredo para ninguém que Seu Joaquim não se bicava com o genro.
Estavam sentados no sofá enquanto as mulheres preparavam o café. Vez ou outra eles se olhavam, mas não tinham assunto; nenhum que os agradasse.
Foi quando Jonatan arriscou:
— E o senhor ficou sabendo da privatização dos Correios, Seu Joaquim?
— Sim, eu li algo sobre isso nos jornais. — Seu Joaquim era assinante fiel da Gazeta do Povo, recebia todos os dias em sua casa um exemplar do jornal impresso, mas ele estava começando a ler as colunas on-line, mas ainda estava engatinhando nesse processo.
— Pois é, né — comentou Jonatan —. Agora esse povo vadio trabalha.
— Como é, meu jovem? — perguntou Seu Joaquim se inclinando para a frente.
— Ah, esse povo concursado dos Correios. Todo mundo sabe que eles não trabalham e quando trabalham ainda não fazem direito. Quem sabe com essa privatização eles acordem, ou estarão logo no olho da rua.
— Você acha que é simples assim, rapaz?
— Não, claro que não. Mas já poupa o governo de ficar investindo neles.
— Sim, o governo não precisa mais investir, mas então quem que passa a ser o investidor direto? O povo com os novos valores cobrados.
— Sim, mas… — antes que ele pudesse terminar, Seu Joaquim continuou:
— E de onde você tirou esse papo de que eles não trabalham?
— Bom, uma vez uma encomenda minha atrasou cinco dias. Em uma empresa privada isso não aconteceria.
— E por causa de uma encomenda ruim você vai julgar todos eles?
— Bom…
— E quanto àqueles que ficarão sem emprego e têm família para manter?
— Acho que eles conseguirão outro emprego, né?
— Você acha? — perguntou Seu Joaquim sarcástico. — Meu jovem, eu que sou velho sei que isso é furada, e olha que eu aprendi ontem a como ver um vídeo no Youtube.
— Eu consigo ouvir vocês lá da cozinha — disse Aline. — Além do mais, pai, essa privatização vai gerar muitos empregos novos.
— Sim, mas e os que serão demitidos? Trocará seis por meia dúzia, minha filha.
— Pai, podemos ir comer, por favor?
— Tudo bem, vamos. — concordou Seu Joaquim. Mas quando ele se levantou, ouviu uma moto encostar na frente da sua casa.
— Eu vejo quem é — disse Joaquim indo em direção à porta.
Quando ele voltou para dentro, já estavam todos à mesa.
— Quem era, meu velho? — perguntou Marta.
— Era o carteiro com nossos boletos. — respondeu Joaquim olhando torto para Jonatan.
Texto de autoria de Murillo Emanuel de Lara, estudante de Administração da UEPG, Ponta Grossa. Produzido no âmbito do projeto Crônica dos Campos Gerais, da Academia de Letras dos Campos Gerais
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