Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Partida e recomeço"
Depois de muitas conversas, finalmente decidimos deixar a velha casa de pedras da Rua General Osório. A casa e o seu entorno traziam lembranças de uma longa história na chácara. Com a venda dos lotes, foi possível comprar uma casa na cidade. Não era uma casa grande, mas adequada às nossas necessidades. Da numerosa família, restaram nós três: eu (Emília), mamãe e Marcelina. Teríamos de aprender a viver em um espaço menor, mas com mais facilidades. A casa nova possuía água encanada, o que seria um grande alívio. As duas janelas e o portão davam direto para a rua, mas havia um pequeno quintal, no qual mamãe poderia cultivar algumas plantas. Depois de tanto trabalho, eu teria mais tempo e sossego para escrever meus poemas e finalizar o romance cuja trama estava em minha mente.
Chegou o dia da mudança. A despedida final da casa velha de pedras fez-se em silêncio. Com a chegada da charrete, recolhemos os pertences finais. Mamãe abraçou a caixa de madeira com pertences de papai e documentos da família. Dentro dela, documentos, fotos e a velha folha com as anotações de datas de casamento e nascimento dos 10 filhos. Marcelina portava uma mala, livros e cadernos. Eu carregava apenas uma mala com roupas e objetos. Na sacola de algodão, poemas e manuscritos do romance que um dia terminaria.
Despedimo-nos da velha casa de pedras apenas com um olhar saudoso. A charrete logo alcançou a Rua das Tropas e, em seguida, chegou na pracinha da Catedral. Olhei aquelas pedras e lembrei-me de papai e do quanto ele e os operários trabalharam para extrair pedras para as ruas e calçadas de Ponta Grossa.
Ao chegarmos na nova casa, à Rua Padre Lux, 260, abrimos o portão. Adentramos pela sala. Tudo era diferente da velha casa de pedras. Mamãe ficou com o quarto da frente. Poderia ficar na janela, conversar com os passantes. Eu e Marcelina dividiríamos o quarto dos fundos. Combinamos que Marcelina faria as suas lições e trabalhos na mesa da sala de jantar e eu poderia, finalmente, escrever sem ser interrompida.
Marcelina arrumou os livros com capricho no velho armário com portas de vidro. Foi ali que tive a compreensão do sonho de Marcelina: ser bibliotecária!
O jantar no primeiro dia da casa nova foi sereno, silencioso. Soava estranha aquela mesa agora pequena e apenas três pessoas para a refeição.
A vida seguia mais tranquila naqueles meses de 1931. As tarefas estavam divididas e vivíamos felizes. Estranhávamos que o serviço era pouco.
A vida mudara muito, mas os meus sonhos continuaram vivos. Não almejava grandes reconhecimentos, nem como professora, nem como escritora. Desejo apenas escrever sobre meus sentimentos e vivências.
Da minha nova janela, por entre frestas das casas vizinhas, vejo o trem que passa. Deixo as ideias fluírem à medida que os vagões passam e consigo resolver o título do romance: A primavera voltará!
Crônica dedicada a Emília Dantas Ribas (1907-1978) e Marcelina Dantas (1916-2007).
Texto de autoria de Jefferson Mainardes, professor do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais
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