No último sábado foi celebrado o "Dia da Mulher na Ciência", data busca dar visibilidade à contribuição feminina na pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico
No último sábado (11), foi celebrado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, que busca dar visibilidade à contribuição feminina na pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico. Para marcar a data, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) traz as histórias de mulheres pesquisadoras de diferentes áreas de conhecimento.
Estima-se que apenas 30% dos cientistas do mundo sejam mulheres, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Ainda segundo a Organização, para além da diferença quantitativa, há ainda uma disparidade nas trajetórias científicas e acadêmicas de homens e mulheres, com menores pagamentos e velocidade menor de progressão nas carreiras.
Na UEPG, as mulheres são 48,65% das professoras efetivas. Nos programas de pós-graduação stricto sensu, o percentual diminui para 45,5%: são 172 mulheres e 206 homens. Segundo dados da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesp), de todos os docentes contemplados com bolsas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em nível 1 e 2 na Universidade, 16 são mulheres. Enquanto isso, o número de homens é quase três vezes maior, com 41 pesquisadores contemplados.
Em síntese, mulher
Do topo de alguns degraus, era preciso reabastecer com rapidez o Espectrômetro de Ressonância Magnética Nuclear, equipamento disponível no Complexo de Laboratórios Multiusuários (C-Labmu), com gás hélio. O procedimento era ao mesmo tempo delicado, caro e tenso, além de exigir força e capacidade técnica. Na sala repleta de homens, uma risada. “Nunca vi uma mulher fazendo isso”, viu graça o professor.
Quem estava realizando a troca era uma das responsáveis pelo equipamento, a professora Barbara Celânia Fiorin, do Departamento de Química. “Foi a primeira vez que me senti assim, diferente por ser mulher”, lembra. “Para mim é algo natural, estou fazendo o que gosto”.
Além de ser mãe e mulher, fazer sínteses químicas e produzir compostos faz parte do cotidiano da professora. Ela desenvolve pesquisas de química orgânica, nos programas de pós-graduação em Química (PPGQUIM) e Doutorado em Química Associação UEL/UEPG/Unicentro (DOQAS).
A partir da associação de compostos químicos com chalconas (substâncias pertencentes à família dos flavonóides, compostos que têm grande potencial de aplicação em fármacos), o grupo de pesquisa coordenado pela professora Barbara estuda a produção de materiais e procura aplicações. Ela cita que um artigo recente publicado pelo grupo, que tem parceria com mulheres pesquisadoras de diferentes áreas, encontrou uma substância que tem potencial para inibir a atividade parasitária da esquistossomose. “É uma doença que afeta muito países subdesenvolvidos e que tem uma limitação de tratamentos, então se torna importante buscar possíveis alternativas para o tratamento”, explica a professora.
Na escola, Barbara já gostava de Química, o que a levou à graduação e doutorado na Universidade Estadual de Maringá. Durante a formação, ela passou pela iniciação científica e foi cativada pelo exemplo de professores e professoras. Hoje, contribui com a formação de novos pesquisadores. “Desde a graduação, eu tento passar aos alunos a minha visão da Ciência, os pontos que eu vejo como positivos, os pontos que eu vejo como desafiadores, porque também nem tudo são flores”, diz. Com carisma, lembra aos alunos que devem filtrar os bons e maus exemplos: “O que eu tenho de bom, vocês podem continuar fazendo; e o que detectarem que não é tão bom, têm o dever de não fazer igual”.
Como acontece com tantas mulheres e pesquisadoras, o nascimento do filho foi, ao mesmo tempo, um momento de realização pessoal e uma pausa na carreira acadêmica. “Você pode até estar numa crescente. Você teve filho, entrou de licença, a produção cai, e isso é automático”, aponta. Mesmo com alguns editais de fomento científico desconsiderando o período de licença maternidade, o impacto dessa mudança profunda na vida da mulher é alto, para quem depende de produtividade, de orientandos e de artigos publicados. Ainda assim, ela é enfática: “Meu melhor projeto de pesquisa é o Vinícius”.
Uma cientista interdisciplinar
Na pequena cidade de Mandaguari, no norte do Paraná, uma menina de família simples gostava muito de estudar, mas provavelmente não imaginaria que, no futuro, seria uma cientista. “Talvez a ciência tenha me encontrado muito mais do que eu tenha procurado a ciência”, lembra a professora Dionizia Xavier Scomparin, do Departamento de Biologia da UEPG.
Quando passou no vestibular para Biologia na Universidade Estadual de Maringá, não fazia ideia de que era possível trabalhar nos laboratórios e fazer pesquisa científica – atividade que descobriu a partir do convite de uma colega e motivada pela oferta de uma bolsa. “Na iniciação científica, eu tive bolsa, o que me ajudou tremendamente. Primeiro foi o que me colocou no caminho da pesquisa e, segundo, o aporte financeiro com o qual, na época, eu conseguia pagar aluguel”, relembra Dionizia.
A partir daí, foi uma trajetória repleta de idas e vindas. Fez mestrado e doutorado, iniciou a docência e o pós-doutorado, que precisou ser interrompido por uma razão ainda mais importante: o nascimento da filha, Livia. “Ser mãe e ser pesquisadora não é fácil”, avalia. “Foi uma época de bastante sofrimento, porque uma criança recém-nascida demanda muito cuidado e eu tinha que ir para o laboratório”. Com a falta de apoio do orientador e a demanda de um bebê pequeno, precisou parar.
Desde 2014, Dionizia atua como professora e pesquisadora da UEPG. Leciona disciplinas para os cursos de Educação Física, Farmácia e Enfermagem, além dos programas de pós-graduação em Ciências da Saúde e Ciências Farmacêuticas. “Eu trabalho com o metabolismo, então a gente estuda a obesidade, seus malefícios e possíveis tratamentos para atenuar, pelo menos, o desenvolvimento da obesidade, em modelos experimentais”, explica.
“É impossível ser mulher e nunca ter vivido nenhum episódio de machismo. Talvez na época você não entenda muito bem, mas depois você acaba entendendo”, sentencia. Desde a sobrecarga de cuidar do trabalho e da família, passando pelo machismo presente no cotidiano e pela necessidade de sempre se destacar nas atividades desenvolvidas, a mulher cientista precisa ter resiliência e persistência. “A mulher sempre tem que provar que ela pode e viver provando é difícil. Tudo que você vai fazer, você tem que ser melhor”, aponta a professora.
Teoria e prática
A trajetória de Paula Melani Rocha, professora do Departamento de Jornalismo da UEPG, une a prática jornalística com a pesquisa. Olhando para sua formação no retrovisor, ela relaciona as motivações para se tornar uma pesquisadora com a atuação profissional. “Eu fui pesquisar para ser uma melhor jornalista, e não para ser uma pesquisadora em jornalismo”, relembra. Dentre os temas abordados por Paula, se destacam gênero, jornalismo investigativo e direitos humanos.
Em um momento em que os cursos de Jornalismo eram voltados quase exclusivamente à prática profissional e a atuação nas redações, ela optou por cursar simultaneamente as graduações em Jornalismo, na Faculdade Casper Líbero, e Ciências Sociais, na Universidade de São Paulo. A professora relembra que parte da influência para trabalhar com pesquisa em gênero vem dessa época. “Minha professora de Metodologia de Pesquisa nas Ciências Sociais foi a Carmen Barroso, uma das primeiras a estudar sobre direito reprodutivo”. Ao mesmo tempo, na outra Universidade, desenvolvia reportagens sobre mulheres no jornalismo no jornal laboratório.
Após algum tempo trabalhando em redações, assessorias de imprensa e emissoras de TV, a curiosidade por compreender os processos jornalísticos acabou levando Paula novamente à pesquisa científica. “A gente almoçava nos restaurantes e sempre quando entrava matéria com o povo falando, as pessoas paravam de comer para assistir. E em outras, você não via aquele levantamento da cabeça”, conta. “Eu pensava: puxa, o que eles consideram notícia? O que atrai a notícia para a população, que é diferente do que a gente pensa dentro da redação. Aquilo começou a me instigar”. E aí foi para o Mestrado, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), especialização em Multimeios na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos e doutorado em Ciências Sociais na UFSCar.
Para Paula, a maternidade foi um ponto de virada de chave na trajetória profissional e pessoal. Ao mesmo tempo, cursava o doutorado, trabalhava em redação em outra cidade e tinha um filho pequeno. O trajeto de cerca de 80 km entre o trabalho e a escola do filho era feito todos os dias. “Lembro que uma vez fiz o trajeto em meia hora, para dar tempo de voltar e não fechar a escolinha. Fui a 160 km por hora”.
“São ações que violam sua qualidade de vida, sua trajetória de vida, suas relações, porque o tempo inteiro você está nesse enfrentamento”, reforça. Para superar os desafios da maternidade, do ambiente machista e de uma cultura masculina, Paula indica que a principal solução é a implantação de políticas públicas que garantam a equidade, ou seja, considerem as diferenças para gerar justiça social. Além disso, é preciso debater o machismo como uma questão cultural, estrutural e social nas instituições, como a família, religião e economia.
Formando meninas cientistas
A professora Aline Alberti entende bem o papel da Universidade pública na formação de mulheres cientistas. Afinal, ela se formou engenheira de alimentos e mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela UEPG, doutora na área pela Universidade Federal do Paraná e, desde 2015, é professora do Departamento de Engenharia de Alimentos e do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos. “Me encantei com esse mundo da ciência”, conta. “É muito gratificante fazer experimentos e fazer descobertas. Eu amo fazer isso!”.
Segundo Aline, o estímulo que recebeu desde a graduação para fazer pesquisa foi essencial para que escolhesse a trajetória acadêmica e é algo que busca replicar nos alunos e alunas que passam por suas disciplinas e por seu laboratório, hoje. Com uma maioria de orientandas mulheres, o incentivo é para que busquem e valorizem sua independência. “O espírito curioso de sempre estar fazendo coisas novas e buscando novas informações é o que me trouxe até aqui”, analisa.
No Laboratório de Ciência e Tecnologia de Alimentos e na Escola Tecnológica de Leite e Queijos dos Campos Gerais (ETL-Queijos), a pesquisadora trabalha com produtos da maçã, processamento e qualidade de suco de maçã e da sidra, fermentação lática, alcoólica, compostos fenólicos e atividade antioxidante e qualidade de queijos convencionais e maturados.
Arte, ciência e educação
Há muito mais em comum entre Arte e Ciência do que muitas pessoas pensam. A atuação da professora Josie Agatha Parrilha da Silva, do Departamento de Artes, é unir, sempre, o que historicamente foi sendo separado. Os estudos sobre arte-ciência e a formação em Educação a levaram para uma atuação interdisciplinar: Josie é graduada em Pedagogia e em Artes Visuais, mestre em Educação, doutora em Educação para Ciência e a Matemática, especialista em Educação Pública e em Docência no Ensino Superior. Além de lecionar no curso de Artes Visuais, é docente da pós-graduação em Ensino em Ciências e Educação Matemática na UEPG e em Educação para a Ciência e a Matemática na Universidade Estadual de Maringá.
A professora lembra que, tanto na Arte quanto na Ciência, o papel da mulher foi historicamente negado. “A maioria das artistas mulheres do período do Renascimento são completamente desconhecidas”, relata. “Na ciência o mesmo ocorreu, muitas mulheres travaram grandes batalhas para serem reconhecidas, faziam o mesmo ou até mais pesquisas que os homens, mas simplesmente por serem mulheres, seu valor era negado”.
O debate sobre o papel da mulher na sociedade segue atual. “Em pleno século XXI, se espera que a mulher cuide da casa, cozinhe, eduque os filhos, e… só depois pense em sua formação e profissão”, assinala Josie. E aí, o desafio é individual e, ao mesmo tempo, coletivo: provar cotidianamente a capacidade de cada mulher que produz ciência.
Para superar os desafios de se fazer ciência, formar meninas cientistas e educar para a ciência, é preciso, segundo a professora, que haja iniciativas permanentes de valorização das pesquisadoras mulheres. “Precisamos dar vez e voz para as mulheres da Arte e da Ciência, pois todos nós devemos ter o direito ao conhecimento e a produzir conhecimento, independente do gênero”, finaliza.
Mulheres e Meninas na Ciência
O Dia das Mulheres e Meninas na Ciência foi criado pela Assembleia das Nações Unidas em 2015. O objetivo é debater a participação de mulheres na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, identificar as principais barreiras e desafios e pensar políticas de fomento à participação feminina na ciência e formação de novas pesquisadoras.
A Igualdade de Gênero é um dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Agenda 2030, documento da Organização das Nações Unidas (ONU) que coloca metas para tornar possível o desenvolvimento sustentável, que é, segundo o documento, “aquele que atende às necessidades presentes, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades”.
O Objetivo 5 da Agenda 2030 busca “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”. Para isso, a ONU estabelece metas para acabar com a discriminação de gênero, eliminar a violência contra a mulher e empoderar mulheres e meninas em todos os níveis.
Da Assessoria
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