Internet reforça um comportamento histórico, social e cultural e amplifica a voz de quem usa o anonimato garantido pelas telas do computador para expor sua ira, desrespeito e violência
A violência e os abusos contra os direitos humanos praticados na internet vêm crescendo no país nos últimos anos. Em 2018, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da SaferNet Brasil - organização não governamental, sem fins lucrativos, que reúne cientistas da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em direito com a missão de defender e promover os direitos humanos na internet - registrou aumento de 109,95% no número de queixas em comparação a 2017.
A misoginia ou crimes contra mulheres foi recordista, com crescimento de 1.639,54% nas denúncias, mas a lista inclui incitação a crimes contra a vida, pornografia infantil, xenofobia, racismo, homofobia, neonazismo, maus tratos contra animais e intolerância religiosa.
Em 2020, entre março e julho, as denúncias de homofobia saltaram para 2.782 (contra 1.017 no mesmo período do ano anterior). A apologia aos crimes contra a vida cresceu 95% e o racismo, 245% nos cinco primeiros meses da pandemia. Já as denúncias de maus tratos a animais subiram 302%, segundo a SaferNet.
Mas, afinal, a internet deixou as pessoas mais intolerantes? Os professores do curso de psicologia do UniCuritiba Daniela Jungles e Guilherme Alcântara Ramos garantem que não. Eles lembram que o desrespeito, o ódio e a maldade não se originaram nas redes sociais.
“Desde o início dos tempos, os humanos são movidos por impulsos agressivos. A grande diferença no mundo moderno é que a internet forneceu um megafone poderoso em termos de rivalidade, eco e impacto. Hoje, pessoas acima de qualquer suspeita podem espalhar ódio e raiva sem sair de seus lares”, diz a psicóloga Daniela, mestre em Ciências da Educação pela Université de Sherbrooke (Canadá) e supervisora do Serviço-Escola de Psicologia do UniCuritiba.
Internet e a “segurança” por trás da tela
Na avaliação do mestre em Psicologia, membro do Núcleo de Atendimento Psicopedagógico do UniCuritiba e orientador de projetos de qualidade de vida e bem-estar, professor Guilherme, a internet não aumenta a intolerância, mas permite o alcance de comunicação entre grupos que não se conheciam e que agora tem ferramentas para disseminar seus discursos de ódio.
“A intolerância é uma realidade histórica e cultural em todo o mundo. Tivemos a inquisição, o holocausto, a escravidão e, para citar exemplos mais modernos, temos profissões mais privilegiadas que outras. A questão é que leis e as lutas de grupos sociais e minorias tornaram essas práticas menos aceitas social e presencialmente, mas a internet permite a prática da intolerância de forma mais ‘segura’ porque facilita o anonimato. É mais fácil ser intolerante na internet do que cara a cara”, comenta o especialista, que também é coordenador da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho do Conselho Regional de Psicologia.
A mobilização de grupos que praticam discursos de ódio e incitam a violência também encontrou campo fértil no meio virtual. “Agora, as pessoas reforçam as suas ideias e encontram seus pares na internet, aumentando esse efeito dominó que faz parecer com que a sociedade está mais intolerante quando, na verdade, as redes sociais apenas amplificam a voz desses grupos”, continua Ramos.
Banalização da violência
Se o tipo de agressão cometido na web é o mesmo que se vê na vida offline, o que muda é a intensidade com que as pessoas reagem quando estão atrás da tela. Afinal, um sem-fim de pessoas que não tem a ousadia de responder de forma agressiva e desrespeitosa em uma discussão cara a cara sente-se livre e desinibido nas redes sociais, explicam os professores.
As causas da banalização da violência em posts e comentários em redes sociais, diz a psicóloga, vão além da possibilidade de anonimato e tem sua origem em questões culturais e sociais. “A agressão online é considerada uma justificativa moral e se uma mensagem não corresponde à minha verdade, eu me frustro a ponto de me sentir desrespeitado e desafiado. Poucas são as pessoas realmente dispostas a ouvir opiniões distintas.”
Tolerância, um aprendizado diário
Por ser um comportamento social, continua o professor Guilherme, a tolerância pode ser ensinada e aprendida – e como tal, é possível criar estratégias para exercitar o respeito, a empatia e o combate à intolerância.
“Temos que lidar com as pessoas nas redes sociais como lidamos com elas fora da internet e o caminho é o estímulo à empatia, ao respeito e ao autoconhecimento. Isso pode ser feito desde a infância e a adolescência. Ao entender o que é desagradável para si, nossos filhos percebem o que é desagradável e grosseiro para os outros”, explica.
As dicas do especialista incluem bons exemplos dos pais, debates, leituras, filmes, séries, reportagens e artigos científicos que levem à reflexão sobre a diversidade. Monitorar as redes sociais dos filhos, supervisionando sua postura em grupos e comentários também é importante para contribuir na formação de cidadãos mais tolerantes. “Entender que as diferenças fazem parte do nosso dia a dia e tratá-las com naturalidade é fundamental para o entendimento da tolerância e esse aprendizado”, orienta o professor Guilherme.
“Sociedades que promovem ações que valorizam as diferenças por meio da educação apresentam uma população mais tolerante. As diferenças são verdadeiras fontes de riqueza para um país ou grupo social. Precisamos entender que o exercício da tolerância passa pela habilidade de observarmos nossos próprios julgamentos. Antes de julgar alguém, caminhe três luas com seus sapatos, diz um provérbio nativo americano”, finaliza a mestre Daniela Jungles.
Da Assessoria
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