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A alma mais virtuosa (ou: história cínica)

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "A alma mais virtuosa (ou: história cínica)"



Uma sociedade de economia mista é, segundo os especialistas, uma pessoa jurídica regida por normas de direito privado, porém derrogadas por disposições de ordem pública, cujo capital votante pertence, em sua maioria, a um ente federativo – Município, Estado ou União. Frequentemente é um banco fundado para explorar atividade econômica.

Um ser humano é, segundo ensinam outros especialistas, um representante da mais complexa etapa evolutiva dentre os seres vivos; o habitante de um arcabouço vertical estruturado – chamado corpo – composto principalmente por oxigênio, carbono, hidrogênio, fósforo, cálcio, enxofre e outras coisas mais. Frequentemente, falha em explorar atividade econômica e, por isso, deve aos bancos.


João, que ainda não devia a nenhuma sociedade de economia mista, entrou em uma e pediu um empréstimo. Os funcionários dessas instituições são comumente recrutados mediante severo concurso público e se sujeitam a rigorosa fiscalização, por isso se espera deles que prestem serviço qualificado, o que veio a ser precisamente o caso, pois o portador do crachá analisou criteriosamente os papéis, realizou a respectiva análise de crédito e, ao fim, declarou que sinto muito, esse valor não dá pra emprestar.


– O que fazemos, então?, perguntou João, que nas horas de aperto tinha a sabedoria de granjear alguma simpatia aos seus problemas valendo-se da proverbial primeira pessoa do plural.


– Podemos penhorar a sua alma, informou o prestimoso atendente.


– Penhorar a… alma?


– Sim, sua alma. O mercado de almas está em ascensão, paga-se um valor até razoável – não chega ao da carne bovina ou de algum mineral betuminoso, mas exporta-se bem, se você não resgata. Aliás, vai me desculpar a indiscrição, mas a sua alma é das mais limpinhas que já vi; quando você chegou no guichê reparei logo que é das mais virtuosas que já negociei nessa cidade. Começou tarde no pecado, hein? Pouca maracutaia, uns deslizes veniais. Se casou ou juntou, separou logo, isso de morar junto, compartilhar banheiro, polui demais a alma da gente, falo por experiência própria.


Como se percebe, um banco, não sendo constituído por hidrogênio, cálcio e etc, não chega a ser muito humano. Às vezes, é só enxofre.


João assinou o contrato, o dinheiro caiu na conta e ele saiu feliz. Tão feliz que não viu o caminhão do ovo dobrar a esquina e passar por cima dele.


João morreu na hora e a alma mais virtuosa da cidade ficou sendo do poder econômico.

Igual a alma de quase todo mundo, portanto.


Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais

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